segunda-feira, 2 de junho de 2008

Trecho da Analogia com a Informatica

da Casa dos Budas Ditosos - João Ubaldo Ribeiro

"Nunca me deixei engabelar por essas baboseiras que nos impingem como fazendo parte
da natureza humana. Não se pode estar apaixonado por duas pessoas ao mesmo tempo, meu Deus, quanta gente morreu e morre todos os dias por causa desse dogma babaca que é tão arraigado, que a pessoa, homem e principalmente mulher, que está ou é apaixonada por dois ou três entra em conflitos cavernosíssimos, se remói de culpa, se acha um degenerado, não confessa o que sente nem às paredes, impõe-se falsíssimos dilemas, se tortura, é uma situação infernal e cancerígena, todo mundo lutando estupidamente para ser quixotes e dulcinéias. É o atraso, é o atraso! Em tese, somos capazes de nos apaixonar por tantas pessoas quantas sejamos capazes de nos lembrar, o limite é este, não um ou dois, ou três, ou quatro, ou cinco, ou dezessete, todos esses números são arbitrários, tirânicos e opressores. Tá lá o meu fichário apaixonativo, com o perfil do que eu acho atraente, que é bastante vasto. Entrou novo contato, perfil aprovado, eu posso me apaixonar por ele."

"Hoje eu estou altamente informática. A superstição perniciosa generalizada é que diz que é preciso deletar o anterior para aceitar o novo. Que pobreza, que atraso! Se a memória aceita, se o perfil confere, se a senha foi dada, roda os dois programas ao mesmo tempo, roda os três, roda os vinte, porra! Minimiza um, roda um embaixo do outro, exporta um arquivo pra lá, outro pra cá, a informática é muito educativa para que os débeis mentais que tanto pontificam e nos abalam com suas besteiras compreendam que os processos mentais que consideram sublimes e prova da existência de Deus são meras linhazinhas de comando de rotina no DOS do cérebro, o buraco é abissalmentíssimamente mais embaixo. Claro que a paixão nova, no primeiro momento, mobiliza muito o apaixonado, que tende a ficar cego para os outros arquivos, e aí, na maior parte das vezes, o entulho burro começa a aporrinhar, o camarada foi treinado para não achar aquilo certo, tem que deletar o arquivo em uso, não sei pq. A analogia informática continua certeira, é como um programa novo, um brinquedo novo. Mas depois a gente abre o arquivo mais antigo, é bom, reaviva, estimula, meu Deus, por quê erigimos empecilhos absurdos e destrutivos da beleza da Criação, os arquivos podem conviver na maior paz; clica, ele abre, tudo pronto para o deleite de todos e o cumprimento cioso quão alegre da sina! O limite é a memória! E quantos giga bytes temos na memória? Nunca vamos usar nem um zilionésimo, por mais que vivamos e abertos sejamos. Por conseguinte, minhas paixões não são doentes, convivem perfeitamente bem e é por isso que não morrem como as outras, só morrem quando eu deixo de regar, porque eu resolvi deixar de regar".

­um eu alias e quase

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